Categoria: Distúrbios Gastrintestinais

ENCONTRO EM MANAUS (9/8/2018): Enterocolite necrosante: a lógica da prevenção

ENCONTRO EM MANAUS (9/8/2018): Enterocolite necrosante: a lógica da prevenção

Paulo  R. Margotto.

Enfatizamos a importância de diferenciar a enterocolite necrosante (ECN) da perfuração intestinal espontânea (ocorre mais no íleo, nos primeiros 1 dias de vida, a corioamnionie tem papel importante pela translocação de Candida e Staphylococcus para a circulação sistêmica). Após comentar sobre o estudo recente de Gordon PV et al (2017) que citou 14 subgrupos de ECN no recém-nascido(RN), focalizamos a nossa discussão em torno da ENC Clássica que é aquela associada á disbiose. Na procura dos inimigos, devemos lembrar que somos nós mesmos, como diz Neu J (2018): a antibioticoterapia empírica prolongada ≥5 dias sem infecção (altera o desenvolvimento fisiológico e imunológico intestinal), o uso de inibidores H2, como a ranitidina (aumento de proteobactérias no intestino-gram-negativas), nutrição parenteral sem nutrição enteral (aumento da permeabilidade intestinal, facilitando a translocação d bactérias devido ao mal funcionamento das junções de oclusões no intestino, além do aumento das proteobactérias). A nutrição enteral tem papel importante na prevenção da ECN: falta de nutrição enteral leva a uma mudança na microbiota luminal, onde as proteobactérias (gram-negativas) dominam, criando um estado proinflamatório que leva à quebra das junções de oclusões com  perda da função de barreira epitelial, translocação bacteriana e sepse. A nutrição enteral deve ser realizada com leite humano cru (o leite materno contem 105-6 bactérias/ml! Estas são destruídas pelo processo de pasteurização. Assim, mesmo a mãe tendo pequena quantidade de leite, ao misturar com o pasteurizado pode haver expansão de uma grande parte do microbioma após 4-8 horas (é a chamada refaunação do leite humano pasteurizado!). Quanto aos probióticos, tema que discutirei no mês de outubro/2018, estudos recentes tem mostrado aumento da ECN com o uso de probiótico (516 RN ≥23 e <28 comparando historicamente com aqueles que receberam probiótico de rotina versos os eu não receberam)  e outros, sem alteração na sua incidência. Muito mais precisa ser aprendido sobre a flora intestinal  e suas interações com o desenvolvimento do trato intestinal antes de podermos rotineiramente manipular o ecossistema microbiano intestinal.Segundo Neu F, uma vez que tenhamos uma compreensão clara das causas das diferentes formas da ECN, seremos mais capazes de direcionar estratégias preventivas.

Enterocolite induzida por proteína alimentar ou enterocolite necrosante? Uma série de casos de uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

Enterocolite induzida por proteína alimentar ou enterocolite necrosante? Uma série de casos de uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

Food ProteinInduced Enterocolitis Instead of Necrotizing Enterocolitis? A Neonatal Intensive Care Unit Case Series.Lenfestey MW, de la Cruz D, Neu J.J Pediatr. 2018 May 23. pii: S0022-3476(18)30602-4. doi: 10.1016/j.jpeds.2018.04.048. [Epub ahead of print].PMID: 29803301.Similar articles.

Apresentação: Lara Ramos Pereira R4 Neonatologia HMIB.Coordenação: Marta David Rocha de Moura.

A Enterocolite Induzida por Proteínas Alimentares (EIPA) é uma Doença subdiagnosticada na UTI Neonatal. Pode imitar e Enterocolite necrosante (ECN) e resulta em hipersensibilidade a antígenos alimentares (leite de vaca e proteínas da soja:gatilhos mais importantes). No primeiro mês de vida, os RN apresentam vômitos, diarréia, hematoquezia, ou letargia cerca de 1-4 semanas após a  exposição ao antígeno desencadeante. O padrão ouro no diagnóstico é o teste de provocação oral. As alterações comuns são a  leucocitose (eosinofilia), trombocitose, sangue oculto nas fezes, anemia, hipoalbuminenia e pneumatose intestinal. A  PCR é normal e  8% com monocitose Ocorre entre 35-41 semanas pós-menstrual (já a ECN clássica, relacionada à disbiose ocorre com  32 semana pós-menstrual). Resolução dos sintomas ocorre com modificação de dieta para uma fórmula extensamente hidrolisada ou fórmula de aminoácidos livre. No próximo dia 9 estaremos em Manaus realizando Palestra sobre Enterocolite Necrosante: a lógica da prevenção

 

Apnéia neonatal e refluxo gastroesofágico: Existe algum problema?

Apnéia neonatal e refluxo gastroesofágico: Existe algum problema?

Neonatal apnea and gastroesophageal reflux (GER): is there a problem?Abu Jawdeh EG, Martin RJ.Early Hum Dev. 2013 Jun;89 Suppl 1:S14-6. doi: 10.1016/S0378-3782(13)70005-7. Review.PMID: 23809340.Similar articles.

Apresentação: Deyse  Costa, Residente em Neonatologia. Coordenação: Nathalia Bardal.

´Juntamente com este estudo fizemos uma ligeira revisão sobre o tema de 2006 a 2018, com a Apresentação do Dr. Josef Neu, no 110 Simpósio Internacional de Neonatologia no Rio de Janeiro em junho de 2018.  Existe um amplo consenso de que o refluxo gastroesofágico (RGE) é desencadeado por relaxamentos transitórios do esfíncter esofágico inferior, enquanto a apneia, a bradicardia e a dessaturação resultante são desencadeadas pelo controle respiratório imaturo. É possível que, ocasionalmente, esta última seja uma resposta protetora para evitar que o refluxo entre na via aérea. A apneia, como uma resposta protetora, pode compreender o fechamento reflexo das cordas vocais, resultando em apneia obstrutiva, cessação central da produção neural respiratória ou características de ambos (apneia mista).  Há pouca dúvida de que o refluxo atingindo a laringe ou a faringe pode desencadear apneia, no entanto, os casos de refluxo que chegam a orofaringe são muitos baixos (em torno de 3-3,5%). E para criar mais polêmica, a apnéia é que pode ocasionar o RGE (a depressão respiratória, induzida por hipoxia, pode diminuir o tônus do esfíncter esofágico inferior, predispondo ao refluxo). Utilizando técnicas mais refinadas para o diagnóstico do RGE, comprovou que menos de 3% dos eventos cardiorrespiratorios ocorrem após um evento de RGE e este não se associa ao aumento da duração ou gravidade do evento cardiorrespiratório. A grande maioria dos neonatologistas fazem o diagnóstico de RGE devido a presença de apnéia, dessaturação, bradicardia e intolerância alimenta. A farmacoterapia para o RGE pode aumentar a morbidade sem evidências claras de eficácia. No entanto, 67% dos neonatologistas entrevistados relataram o uso de medicamento para tratar a apnéia dos prematuros e a maioria (74%) iniciam a terapia empiricamente. Entre os medicamentos, os  supressores de ácidos e os procinéticos são os mais usados. Esses medicamentos podem AUMENTAR os eventos associados ao RGE! Não se deve apoiar medicamentos anti-refluxo na apnéia da prematuridade! Estas medicações supressores de ácidos aumentam significativamente o risco de enterocolite necrosante (6,6x mais!), aumento do risco de sepse (5,5 vezes mais e morte, aumento da gastrina sérica com risco de estenose hipertrófica e alteração da digestão como resultado da diminuição da atividade de lipases dependentes de ácido. A acidez gástrica pode se um mecanismo protetor contra a colonização respiratória e gastrintestinal com patógenos nosocomiais e subsequente bacteremia. Considere a posição prona do lado esquerdo (reduz significativamente o RGE (devido a configuração anatômica do estômago e junção gastroesofágica, menor exposição ao ácido esofágico e maiores relaxamentos esofágicos inferiores). Não há vantagem do uso de bebê conforto, pois aumenta a frequência do RGE. Uso de espessante do leite: não há estudos que evidenciem que aumentando a consistência da dieta diminua o RGE, inclusive pode aumentar o risco de enterocolite necrosante tardia. Finalizando, a mensagem: a campanha “Escolhendo com Sabedoria” (Programa Choosing Wisely) colocou o uso rotineiro de medicamentos anti-refluxo para RGE em prematuros no período no topo de sua lista de práticas na medicina a ser evitada. Se usar a terapia essa deve ser continuada apenas com benefício claro, monitorado de perto e tentativa de descontinuação porque as mudanças maturacionais podem tornar a farmacoterapia desnecessária. lembrem-se: quanto mais prematuro for o recém-nascido (RN) mais apnéia ele apresenta, maior imaturidade do trato gastrintestinal e conseqüentemente mais refluxo gastroesofageano (RGE). Os estudos atuais não mais mostram a associação entre apnéia e RGE!

Desenvolvimento da digestão, absorção, atividade motora intestinal e sistema imune da mucosa-Refluxo gastroesofágico (Development of Digestion,Absorption, Intestinal Motor Activity and Mucosal Immune System-Gastro-esophageal Reflux)

Desenvolvimento da digestão, absorção, atividade motora intestinal e sistema imune da mucosa-Refluxo gastroesofágico (Development of Digestion,Absorption, Intestinal Motor Activity and Mucosal Immune System-Gastro-esophageal Reflux)

Josef Neu. 11o Simpósio Internacional de Neonatologia do Rio de Janeiro, 20-23 de junho de 2018

A forte correlação entre a doença neonatal precoce estreptocócica do grupo B e enterocolite necrosante

A forte correlação entre a doença neonatal precoce estreptocócica do grupo B e enterocolite necrosante

The strong correlation between neonatal early-onset Group B Streptococcal disease and necrotizing enterocolitis.

Stafford IA, Rodrigue E, Berra A, Adams W, Heard AJ, Hagan JL, Stafford SJ.Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2018 Apr;223:93-97. doi: 10.1016/j.ejogrb.2018.02.024. Epub 2018 Feb 24.PMID: 29501938.Similar articles.

Apresentação: Patrícia Teodoro de Queiroz.Residente de Neonatologia – HMIB/SES/DF

Unidade de Neonatologia.Coordenação: Dra Joseleide de Castro, Paulo R. Margotto.Brasília, 30 de Junho de 2018.

A enterocolite necrosante (ECN) é uma das principais causas de emergência gastrointestinal no recém-nascido (verdadeira tragédia na UTI Neonatal), afetando 1 a 3 indivíduos a cada 1.000 nascidos vivos, incluindo 6 a 7% das crianças com baixo peso ao nascer (<1.500 g).  Dados referentes ao status da cultura de sepse precoce pelo GBS foi apurado apurado entre 01/01/2011 e 31/12/2015 quando do registro desta condição foi iniciado e mantido pelo controle de infecção no Hospital Hospital Infantil, Nova Orleans, LA. Idade gestacional e peso ao nascer médios foram, respectivamente,  30, 2 semanas e 1449,3g. Os recém-nascidos com SGB positivo apresentaram uma probabilidade significativamente maior de ECN: OR-5,37 com IC a 95% de 1,70-16,95-P=0,009), independente da idade gestacional.  Streptococcus do grupo B (Streptococcus agalacticae) é um coco gram-positivo encapsulado que coloniza o trato genital e gastrointestinal humano. O sexo masculino, o suporte ventilatório,Apgar baixo do 1 min  e no 5 min  foram significativamente associados com estágio mais avançado da ECN e o leite materno tendeu ser protetor de estágios mais avançados. Recentemente Josef Neu enfatizou o risco do uso prolongado do antibiótico empírico, assim como o uso de anti-ácidos e nutrição parenteral sem nutrição enteral como fatores significativos de risco de ECN, cujo denominador comum é o aumento de Proteobacterias intestinais (E.coli, Pseudomonas e Klebsiela) que levam à quebra das junções de oclusões, perda da função de barreira epitelial, translocação bacteriana e sepse. Interessante: o leite materno contem 105-6 bactérias/ml! Estas são destruídas pelo processo de pasteurização (mesmo a mãe tendo pequena quantidade de leite, ao misturar com o pasteurizado pode haver expansão de uma grande parte do microbioma após 4-8 horas). Procuramos os inimigos na UTI Neonatal e somos nós mesmos os inimigos! Devemos nos afastar das desculpas para não iniciar a nutrição enteral, como: Baixa pontuação  do Apgar, cateteres umbilicais, apnéia e bradicardia, ventilação mecânica, CPAP,  drogas vasoativas, Nutrição parenteral total está disponível.E os Probióticos? Há dados insuficientes para a recomendação geral do uso de probióticos na criança extremo baixo peso; a administração de probióticos nesses pacientes pode influenciar a longo prazo o padrão bacteriano.Um dos maiores estudos até o momento de uma intervenção probiótica (Costeloe K et al, 2016),  envolvendo 1395 RN não mostra evidências de benefício e não apóia o uso rotineiro de probióticos para bebês prematuros.Estudos recentes (2018) evidenciaram mais ECN no grupo do probiótico. Quanto ao GBS, estudo na nossa Maternidade (Felipe Teixeira, 2013) mostrou  uma incidência sepse precoce pelo GBS de 1,3/1000 nascidos vivos com a implementação do Protocolo (uso de antibiótico intraparto). A densidade de incidência de sepse precoce pelo GBS foi de 0,98 por 1000 nascidos vivos nos Estados Unidos e 0,9 por 1000 nascidos vivos na Inglaterra. Os quadros graves de hipertensão pulmonar pelo GBS ocorre através do aumento do tromboxane A2 (fosfolipídeos dominantes do GBS  que são a cardiolipina e o fosfadilglicerol)

 

Fatores que modificam o microbioma nos períodos perinatal e neonatal (Factors that Modify the Microbiome in Perinatal and Neonatal Periods)

Fatores que modificam o microbioma nos períodos perinatal e neonatal (Factors that Modify the Microbiome in Perinatal and Neonatal Periods)

Josef Neu. University of Florida (EUA)

Decimo primeiro  Simpósio Internacional de Neonatologia do Rio de Janeiro, 20-6 a 23-6-2018

De unm Neonatologista anônimo: “Então eu dou alguns dias antibióticos para os meus pacientes prematuros, o que isso importa se eu mudar os micróbios no trato gastrintestinal desde que eu poderia estar salvando a vida do bebê por tratamento de sepse não diagnosticada precoce”. Revisão retrospectiva de 50.261 neonatos em 127 UTINs da Califórnia mostraram uma variação de 40 vezes a prática de prescrição de antibióticos com taxa semelhante de infecção e mortalidade. O que significa isso? Significa  que uma parcela considerável do uso de antibióticos não é clara; em algumas UTINs, os antibióticos são usados em excesso O uso de ampicilina + gentamicina por 48 horas aumenta significativamente  as Proteobactérias. Há diferenças na microbiota entre recém-nascidos expostos e cujas mães foram expostas ao antibiótico, com predomínio de Proteobactérias  (elas aumentam antes das exarcebações do intestino inflamatório, tem elevado teor de lipopolissacarídeos [LPS]; são fortes estimuladoras de TLR4; E.coli, Klebsiella e Pseudomonas são representantes) em relação aos recém-nascidos não expostos aos antibióticos e cujas mães também não o foram, com predomínio de Firmicutes (os lactobacilos são uma classe comum dos Firmicutes;  tem alto teor de lipoteicóico na parede celular, mas baixos teores de LPS; tem excelente capacidade de produção de energia; produza butirato em grandes quantidades [ o butirato é um importante combustível para os colonócitos e importante para manutenção das oclusões de junções: se estas se romperem há a translocação bacteriana com produção de sepse tardia!]). Após o 4o-5o dia de uso de antibiótico (empírico), a enterocolite necrosante aumenta exponencialmente!O leite materno contem 105-6 bactérias/ml! Estas são destruídas pelo processo de pasteurização. Assim, mesmo a mãe tendo pequena quantidade de leite, ao misturar com o pasteurizado pode haver expansão de uma grande parte do microbioma após 4-8 horas. Buscamos os  inimigos e somos nós mesmos os inimigos! (além do uso, muitas vezes desnecessário do  antibiótico, ouso de bloqueador H2 aumenta as Proteobactérias). A nutrição enteral não causa enterocolite necrosante (ECN). No entanto, a nutrição parenteral associa-se a maior probabilidade de ECN. Grande estudo recente não demonstrou efeito do probiótico (1315 RN). O probiótico não tem diminuído a ECN nos RN<1000g! Precisamos de mais estudos esclarecedores.

Tema Discutido no 11o Simpósio Internacional de Neonatologia do Rio de Janeiro (20-23/6/2018) pelo Dr. Josef Neu:O momento para confirmar a prevenção da enterocolite necrosante com probiótico nos recém-nascidos de extremo baixo peso na América do Norte é agora!

Tema Discutido no 11o Simpósio Internacional de Neonatologia do Rio de Janeiro (20-23/6/2018) pelo Dr. Josef Neu:O momento para confirmar a prevenção da enterocolite necrosante com probiótico nos recém-nascidos de extremo baixo peso na América do Norte é agora!

The time for a confirmative necrotizing enterocolitis probiotics prevention trial in the extremely low birth weight infant in North America is now!Abrahamsson TR, Rautava S, Moore AM, Neu J, Sherman PM.J Pediatr. 2014 Aug;165(2):389-94. doi: 10.1016/j.jpeds.2014.05.012. Epub 2014 Jun 16. No abstract available.PMID: 24948349.Similar articles

Apresentação: Raquel Matias; Rebeca Donadon. Coordenação; Paulo R. Margotto

Os probióticos parecem promissores para o uso como estratégia de prevenção para a NEC, mas ainda há dados insuficientes para a recomendação geral do uso de probióticos na criança extremo baixo peso;

nOs autores defendem a realização nos EUA de estudos de alta qualidade que confirmem a prevenção da NEC com o uso de probióticos em RN de extremo baixo peso;

nBaseado nos estudos dos EUA e Canadá os neonatologistas então poderão mudar a prática clínica e melhorar os resultados de saúde desses recém-nascidos vulneráveis.

nÉ importante e também um pré-requisito para a introdução de probióticos na UTIN na América do Norte: uma formulação com base na qualidade do produto a partir de fontes seguras e confiáveis  do setor privado.

Enterocolite Necrosante- 2020

Enterocolite Necrosante- 2020

Autor: Paulo R. Margotto, Martha Gonçalves Vieira

Capítulo do Livro Assistência ao Recém-Nascido de Risco, Hospital de Ensino Materno Infantil de Brasília, 4a Edição, 2020, em Preparação.

A Enterocolite Necrosante (ECN) é uma patologia multifatorial determinada fundamentalmente por isquemia intestinal, lesão da mucosa, edema, ulceração e passagem de ar ou bactérias pela parede da víscera. Caracteriza-se pela distensão abdominal, vômitos biliosos e hematoquesia, capaz de evoluir para peritonite, pneumoperitôneo e choque. Pode ser considerada doença dos sobreviventes, uma vez que ocorre com maior frequência em pacientes que sobreviveram às várias intercorrências iniciais do período neonatal, como episódios de hipóxia e quadros infecciosos, e já se encontravam num período de reabilitação.

Com base de dados de grandes estudos multicêntricos do Canadá e Estados Unidos, a prevalência média está em torno de 7% entre os RN de 500 a 1500g, com estimativa de taxa de morte entre 20-30%, sendo maior nos RN que necessitam de cirurgia. Não há preferência quanto a sexo, raça ou época do ano. O tempo de aparecimento é inversamente proporcional à idade gestacional ao nascer, em média nos menores de 32 semanas ocorre na 3ª semana de vida, nos de 32-36 semanas, na 2ª semana e nos maiores de 36 semanas, na 1ª semana de vida.   A mortalidade varia de 10 a 50%, mas a forma de progressão rápida tem mortalidade de praticamente 100%. Em 37% dos casos é necessário tratamento cirúrgico, 40-50%, podem apresentar gangrena intestinal ou perfuração. A necessidade de cirurgia aumenta para 61% nos menores de 1000g.

Os custos financeiros da ECN são altos, com estimativa de custos para as crianças afetadas, nos Estados Unidos, entre 500 milhões e 1 bilhão de dólares ao ano.

Este panorama complexo tem levado ao surgimento de uma gama maior de diagnósticos frente a suspeita de enterocolite necrosante (ECN), tendência já presente nos primórdios do estudo da doença. Desde o final dos anos 70, quando surgiram os critérios de Bell, já se falava na ECN como um espectro de doenças e não como uma entidade específica. Esse espectro caberia sob o mesmo “guarda chuva” dos critérios de Bell, e se beneficiaria de sua aplicação. A ECN naquela época atingia preferencialmente recém- nascidos maiores do que 30 semanas. Na era do surfactante, o perfil da ECN mudou: bebês menores sobreviveram, e apresentaram-se mais suscetíveis ao supercrescimento bacteriano intestinal. Nesse período, ferramentas importantes para a prevenção da ECN foram desenvolvidas, como o uso preferencial de dietas com leite humano e medidas criteriosas para o início e progressão da alimentação enteral no prematuro, incluindo uma fase de dieta enteral mínima. O uso de probióticos é controverso, principalmente nos recém-nascidos abaixo de 1000g.

Papel da transfusão sanguínea: Metanálises recentes concluíram que a aceitação da causalidade entre a transfusão sanguínea e a ECN seria prematura sem o benefício de estudos metodológicos prospectivos e mais cuidadosos que controlariam adequadamente o potencial de confusão. Amostras patológicas obtidas por laparotomia mostraram padrões de regeneração do tecido intestinal que indicam que a lesão intestinal inicial levou horas ou dias antes do diagnóstico ser feito clinicamente.  A transfusão sanguínea para o agravamento da anemia pode ocorrer antes do diagnóstico clínico da ECN e levar à errônea conclusão de que a transfusão sanguínea  causou a ECN. Pequenos estudos randomizados e controlados que avaliaram as práticas clínicas e resultados das transfusões sanguíneas não encontraram um risco aumentado de ECN relacionada à transfusão sanguínea. Um desses estudos concluiu que a prática permissiva da transfusão sanguínea  foi neuroprotetora. No estudo de transfusão restrita e transfusão mais liberal nos RN<1000g, nesta última foi relatada poucos casos de ECN. Severas restrições à transfusão sanguínea, devido à preocupação com a associação entre ECN e transfusão sanguínea pode resultar em outras morbidades imprevistas. Em uma análise multivariada, a transfusão sanguínea não esteve associada com a taxa de ECN, mas uma anemia grave continuou a ser um fator de risco independente para ECN, podendo então ser a  anemia e não a transfusão a causa de ECN.   No entanto a decisão de transfundir  um bebê prematuro deve ser feita cuidadosamente tendo em consideração o equilíbrio entre riscos e benefícios pertinentes para cada paciente. “A razão da transfusão demanda cuidadosa razão da transfusão”

No estudo de Marin T et al, com dois grupos (<33 semanas) um sendo alimentado durante a transfusão sanguínea e outro, não. A oxigenação tecidual mesentérica  diminui significativamente após 15 horas da transfusão, principalmente nos RN<30 semanas. Assim, a dieta durante a transfusão sanguínea pode aumentar o risco de isquemia mesentérica e o  desenvolvimento de enterocolite necrosante relacionada à transfusão.

Um grande estudo controlado randomizado com retenções de alimentos entéricos (Withholding Enteral Feeds Around Transfusion – WHEAT) está atualmente em curso e esperamos  que forneçam provas para responder à questão clinicamente relevante de que alimentar durante uma transfusão de hemácias causa ECN. Enquanto, suspendemos a dieta durante a transfusão sanguínea nesses bebês.

 

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